Brasil aprova lei sobre investidor-anjo
A Lei Complementar nº 155, de 27 de outubro de 2016, alterou o chamado “Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte” (Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006), implementando o chamado projeto “Crescer Sem Medo”. O projeto, que tem por objetivo principal reformar o Simples Nacional, também traz um novo regime aplicável ao aporte de investidores-anjo em startups nacionais, com entrada em vigor a partir de 1º de janeiro de 2017.
De acordo com o novo regime, as startups poderão receber contribuições financeiras (chamadas pela lei de “aportes de capital”) de pessoas físicas e jurídicas ou de fundos de investimento por meio de um “contrato de participação”, que deverá especificar o propósito da contribuição e possuir prazo máximo de sete anos. A lei determina ainda que o aporte de capital não deverá ser considerado (i) receita da startup, para fins de enquadramento desta no Simples Nacional1; tampouco (ii) parte integrante do capital social. As novas normas se abstêm de determinar se o aporte de capital deverá ser contabilizado no balanço patrimonial como conta do passivo ou do patrimônio líquido. Consideramos, ainda, não ser viável seu enquadramento como receita da sociedade para fins fiscais, dado estar esta obrigada a contrapartida em lucros e resgate na forma indicada abaixo neste texto.
A lei estabelece que os investidores-anjo não serão considerados sócios, nem responderão por dívidas da sociedade investida, mesmo em caso de recuperação judicial ou de desconsideração da personalidade jurídica. Por outro lado, os investidores-anjo não possuirão direitos políticos nem participação na administração da sociedade investida.
A distribuição de lucros para o investidor-anjo somente poderá ocorrer dentro do prazo de cinco anos contados da data de contribuição e não poderá exceder o equivalente a 50% dos lucros da startup apurados em cada exercício social.
Além disso, os investidores-anjo terão direito de resgate após um período mínimo de dois anos contados a partir da respectiva contribuição (as partes podem convencionar prazo maior). O valor do resgate será definido com base em balancete especialmente levantando para esse fim, não podendo ultrapassar o valor original da contribuição devidamente corrigido pela inflação acumulada no período.
O aporte de capital feito pelo investidor-anjo poderá ser cedido a terceiros, sendo necessária a anuência prévia dos sócios da sociedade investida caso o cessionário não seja, ele mesmo, sócio2, salvo se o contrato de participação assim o permitir. Na hipótese de o cessionário ser também sócio, a anuência prévia dos demais sócios não será necessária.
Um importante aspecto do novo regime é que o investidor-anjo terá direito de preferência para aquisição das quotas dos atuais sócios, caso estes decidam “vender a empresa”.
Juntamente com o direito de preferência referido acima, o novo regime reconhece o direito de venda conjunta do aporte de capital do investidor-anjo em caso de venda da sociedade (tag along). Nesse caso, o investidor-anjo teria o direito de vender seu aporte de capital nos mesmos termos e condições oferecidos aos sócios.
Outro descuido da lei é a omissão quanto ao percentual de quotas sujeitas à venda que possibilitariam o exercício do direito de preferência e/ou de venda conjunta por parte do investidor-anjo. A redação também leva a crer que o direito de preferência e/ou o direito de venda conjunta seria aplicável não só na hipótese de aquisição das quotas por terceiros, mas também pelos atuais sócios. Ao menos em relação à primeira questão, a menção à “venda da empresa” na lei faz supor que o controle deve ser alienado para dar origem aos referidos direitos do investidor-anjo. Em nossa opinião, indiferente que seja o controle majoritário ou minoritário.
Apesar de a nova lei não mencionar a necessidade de consentimento dos sócios para celebração de contratos de participação com investidores-anjo, a aprovação prévia dos sócios se faz necessária, tendo em vista que (i) o contrato de participação impacta diretamente o retorno sobre investimento dos sócios; e (ii) os direitos de preferência e de venda conjunta restringem as possibilidade de venda de suas quotas.
Além disso, a nova lei também não dispõe sobre a necessidade de inserção, no contrato social da startup, de menção à existência de contrato de participação em vigor. Essa regra deveria ser adotada para o futuro, pois trata-se de importante medida para dar publicidade aos direitos de preferência e de venda conjunta e de torná-los eficazes perante terceiros.
Outro aspecto negativo do novo regime é o fato de não indicar os deveres e responsabilidades dos sócios e administradores para com o investidor-anjo, tais como a divulgação de informações e dados financeiros da sociedade, para que seja possível o monitoramento, pelo investidor-anjo, da utilização dos recursos aportados. Os investidores-anjo não são titulares de participação societária, e, portanto, deveriam ter um regime próprio de proteção dos seus interesses nas sociedades investidas. Na falta de regras específicas, serão aplicáveis as regras gerais de responsabilidade de sócios e administradores em face de terceiros. De qualquer modo, de forma a eliminar dúvidas, o contrato de participação deverá detalhar tais mecanismos.
Finalmente, a redação da lei deixa dúvida quanto à inclusão ou não dos resultados distribuídos aos investidores-anjo na isenção do Imposto de Renda aplicável ao pagamento de dividendos por sociedades3.
A nova regulamentação provavelmente será recebida com bons olhos pelo mercado, mas há várias lacunas legais que deverão ser sanadas por nova mudança legislativa ou pela jurisprudência dos tribunais. Enquanto isso não ocorre, as partes deverão procurar assistência jurídica para suprir tais lacunas com disposições adequadas no contrato de participação.
1 Em termos gerais, sociedades com receita bruta que não exceda R$4,8 milhões podem optar pelo Simples Nacional
2 A lei é omissa em relação ao quórum necessário para tais deliberações. O nosso entendimento é que, nesse caso, a deliberação pode ser tomada por maioria simples dos sócios presentes
3 Dividendos pagos pelas sociedades são isentos de imposto de renda de acordo com o art. 10 da Lei 9.249 de 26 de Dezembro de 1995